Yarin e o Leão - um novo ano

 Os fogos de artifício começaram a estourar no céu escuro naquela virada de ano. Yarin suspirou enquanto olhava o céu brilhar com milhares de cores, sentada ali no galho mais alto da árvore do jardim onde vivia ela imaginou se não havia algo mais a viver naquela vida. 

Pensou em todas as metas de começo de ano que as outras garotas iam criar, pensou em como iam desejar viver o grande romance pela primeira vez ou dormir sob a luz das estrelas. Imaginou também como seria o ano novo em uma família normal, não uma despedaçada como a dela... 

- Será que a vida pode ser algo melhor? - se perguntou em voz alta no momento que um fogo de artíficio laranja apareceu no céu

Começo de novos anos não era o forte de Yarin, ela sabia que todos iriam mentir dizendo que seria um ótimo ano - o melhor ano - até chegar na segunda semana do primeiro mês e continuar fazendo as coisas ruins que lhe faziam. Continuaria tendo que se rebaixar, que se humilhar e se calar para não ser machucada. Contiuaria tendo que dormir ao frio da noite, continuaria tendo que chorar em silencio sabendo que se ouvissem-na iriam fazer a situação muito muito pior. Sabia que teria que trabalhar o dobro naquele ano para conseguir realizar o único sonho que tinha na vida: sair daquele buraco que chamavam de cidade e buscar o seu lugar: casa. 

A garota de cabelos escondidos sob um grande véu vermelho sangue sonhava em sair daquele lugar. Sair daquela cidadezinha com quinze casas e ir para algo diferente. Ela não queria apenas ir para algum lugar grande, ela queria o aconchego, o abraço forte e o carinho que um lar poderia lhe oferecer. Queria poder ter um pesadelo e saber que estava segura, porque onde vivia os pesadelos eram sua segurança. 

Yarin desejava que quando encontrasse esse lugar, que ela nem conhecia ainda, mas sentia algo em seu coração pulsar forte por ele, ela seria ouvida, entendida e poderia...

- Sim. - uma voz soou atrás dela fazendo-a dar um pulo e quase cair da árvore

- O quê? - seus pelos da nuca levantaram quando olhou para quem lhe dirigia a voz: um leão grande, gigantesco com uma juba volumosa que ronronava no galho ao seu lado. Ele era três vezes o tamanho dela, brilhava como o sol e tinha algo na voz...

- A vida poderia ser melhor. - ele respondeu com um ronronado - Você poderia ser rica, poderia ter uma família que te ame, poderia sofrer menos ou...

- Ou o quê? - algo despertara sua atenção

- Você poderia ganhar o seu lugar. Sua casa, sua nova vida, ser uma nova criatura. 

Águas! Era isso! A voz do grande leão parecia a voz de muitas águas, era algo puro e bonito que conhecia todos os desejos mais íntimos de seu coração.

- Como você sabe...

- Eu sei de muitas coisas, minha criança. - sua voz pesou no vento como se tivesse milhares de anos de sabedoria - Você têm desejado por uma nova vida há anos e eu ouvi o seu pedido, quero te dar um presente de ano novo. 

- Mesmo?! - seus olhos brilharam por trás do véu vermelho

O leão lhe estendeu um colar de ouro maciço, era incrivelmente leve e tinha 12 contas prateadas, seis para cada lado do pingente principal: uma rosa vermelha. 

- Uma rosa? - sua voz parecia perder a felicidade

- A rosa de Sárom - o leão respondeu - Sempre que precisar de companhia, de um abrigo, de uma família você pode tocá-la que um dos meus filhos virá ao seu encontro.

Yarin assentiu com um sorriso tímido.

- Não pense que isso vai tornar sua vida mais fácil, Yarin. Entenda e me ouça, a vida daqueles que eu marco não se torna mais fácil, ela tende a se tornar mais difícil, mas eu prometo sempre estar por perto. Sempre!

Yarin não sabia o que lhe havia convencido a concordar com aquele plano maluco. Não sabia se fora a voz profunda, o ronronado constante ou o pingente que lhe havia convencido. Mas quadno olhou, pela primeira vez, para os olhos do leão ela sentiu que poderia confiar nele. 

Aqueles olhos que não continham um pigmento correto, aqueles olhos que pareciam sorrir, chorar, se preocupar e enlouquecer ao mesmo tempo. Aqueles olhos quentes convenceram-na de que o leão dizia a verdade e era confiável. 

- Yarin, entenda e ouça - ele disse novamente - Você precisa entender quem eu sou para que possa ir para onde você sempre sonhou. 

- Então me conte!

Ele pareceu sorrir como um pai que ouve sua criança dizer algo inacreditável como "eu vi um jacaré voador, papai!". 

- Meus filhos testemunharão sobre mim para você, não se esqueça que eles podem aparecer de todas as formas e em todas as formas. Não os rejeite, mas os trate com amor, então entenderá quem eu sou e o que eu fiz. 

A sua forma começou a brilhar e se tornar mais opaca, como se estivesse desaparecendo. 

- Me conheça Yarin, filha de Saróm. Entenda e ouça a minha voz, minhas ovelhas sempre ouvem a minha voz. 

Então o leão desapareceu deixando a corrente na mão da jovem escondida no véu. Ela sorriu sentindo algo quente crescer dentro de si: esperança!

Outro fogo de artifício voou no céu enquanto Yarim fez seu primeiro voto de ano novo, um que ela jurou sobre tudo que mais amava que não iria quebrar. Yarim iria conhecê-lo. 

Não sabia quem era, o porquê, o como ou o onde, mas sabia que os seus filhos viriam e que ele retornaria para resgatá-la. Yarim, naquele ano novo, iria conhecer o leão que lhe falara com a voz de muitas águas.


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Tiffay 

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