Yarin foge #2

 Yarin estava perplexa, não sabia o que fazer e ainda assim sentia que deveria fazer algo. Olhou ao redor da cabana em que vivia percebendo os gestos das mulheres ao cozinhar, cortar legumes e começar a limpar precariamente os pratos de barro. Algumas haviam voltado do rio havia pouquíssimo tempo e ainda tinham uma grande quantidade de roupas sujas debaixo do braço enquanto erguiam a vara que servia de varal naquele lugar pequeno. 

A tenda não tinha mais do que 50 metros quadrados e fazia Yarin sentir-se claustrofóbica. Ela não entendia, o Leão havia prometido tanta coisa e, em vez de poder fazer essas coisas, ela estava presa naquele lugar. Pior ainda, não sabia como ir até o Leão novamente, não sabia se ele a ouviria se ela falasse com ele por pensamento, não sabia se devia sair e ir até o rio, não sabia se devia cantar, não sabia de nada além de que estava deprimida ao sentir-se a pior filha do mundo!

Filha... que palavra esquisita. Mal conhecia o seu Pai, o seu Leão, mas sentia um desejo profundo de fazê-lo sorrir e se alegrar. Sentia um desejo íntimo de vê-lo orgulhoso com ela e sentir aquela brisa profunda de alegria que ele jorrava quando estava alegre. Mas o ar ao seu redor não parecia mudar, o ar ao redor de Yarin parecia continuar firme e obscura, ela não parecia sentir a leve mudança que o Leão fazia no silêncio, claro que ela sabia que ele faria algo assim, mas não sentia...

- Yarin, saia do caminho. - murmurou uma jovem mulher casada com uma pilha de roupas 

Ela se virou para o outro lado só para trombar com a pilha de pratos. Ouviu outro muxoxo e se desculpu rapidamente tentar encontrar o que fazer. A verdade era que tinha muita coisa para fazer, mas ela não queria fazer nada daquilo, ela queria sentir! 

O barulho da comida aumentou, as facas indo em direção às tábuas, os pratos sendo limpos, as roupas sendo batidas ao vento para tirar o pó do deserto, a água respingando no chão. De repente aquilo tudo se tornou insuportável, de repente Yarin só queria sair dali. Ela só queria correr até uma palmeira e poder estar a sós com o Leão. Então ela o fez...

Uma mulher idosa e cansada entrou na tenda dizendo que ia lavar a roupa da semana, era uma pilha enorme que Yarin NUNCA se atreveria a tocar, mas quando ouviu aquilo pegou o cesto da mão da velha e disse que ela mesma faria. E então correu para fora. 

Fora da tenda o ar estava mais quente ainda e parecia que tudo lhe impedia de correr até o Leão. Yarin entrou no vale que havia ali perto e marchou até o rio. Era cristalino, sorridente e belíssimo. Sentou-se na margem com a pilha de roupas e passou a lavá-las devagar, calmamente e aproveitando o barulho dos pássaros como se fossem uma orquestra. 

Algo dentro de si desabrochou quando as lágrimas dela começaram a molhar o tecido que ela lavava. Ela estava chateada consigo, chateada por não ter conseguido super na árvore e olhar para as estrelas, chateada por não ter falado do Leão para as mulheres na tenda e ainda mais, sentia tristeza por não sentir a presença Dele. 

Seu coração pesava quando se lembrava de como ele tinha evaporado, de como ela se sentia sozinha e sem ter com quem conversar. Orou em silêncio que alguém que O conhecia viesse conversar com ela e as lágrimas se tornaram ainda maiores. 

Sabia que era bobo, sabia que o Leão tinha liberdade para ir onde quisesse e para fazer o que desejava, mas ela precisava sentir a presença dele. Mimada, foi o que ela pensou dando um riso tristonho. Respirou fundo e tentou encontrar dentro do seu coração onde ele estava, tentou chamá-lo, mas nada parecia adequado. Tentou cantar, mas não havia canção. Tentou gritar, mas parecia errado gritar como uma criancinha. 

Aceitou, por fim, na metade da pilha que não iria vê-lo, senti-lo e ver a satisfação do Leão pelos próximos dias e continuou a trabalhar com cuidado nas peças de roupa.

Os pássaros pararam de cantar e o tempo pareceu abafar seu rosto. Antes de colocar as roupas dentro do cesto novamente para poder voltar e pendurá-las, colocou o nariz nas peças e sentiu o cheiro: o que ante era suor, baba de neném, poeira, ferrugem e carniça havia se tornado um leve cheiro de algodão. Ela sorriu sozinha perguntando se as mãos dela tinham mesmo feito a roupa daquela senhora cheirar ao mais leve cheiro no mundo e ao único cheiro que ela poderia desejar. Se perguntou se poderia fazer o jantar cheirar melhor para poder ter mais satisfação ao comê-lo na tenda amontoada, então percebeu que deveria ir. 

Então algo caiu de sua mão. Yarin se sobressaltou ao perceber que era o colar de ouro maciço que o Leão lhe havia dado, então respirou fundo e o pegou nas mãos. Era lindo, havia dose contas prateadas de cada lado de uma rosa vermelha vibrante. A Rosa de Sárom, ele havia lhe dito. 

Pensou se ele viria se ela tocasse a rosa. Se ele sorriria para ela e lhe daria um abraço. Ah, como ela precisava de um abraço! Como precisava sentir o agir dele dentro de seu coração, tirando todo amargor para poder brotar algo bonito. Mas, em vez de pedir para ele vir, ela se viu pedindo por uma coisa totalmente diferente:

- Se alegre em mim, por favor. - a voz saiu como um choro de criança, embora não mais uma fosse. 

Ela respirou fundo e pediu de novo. 

- Se alegre em mim.

Mais uma vez ela pediu sentindo as forças irem embora e uma expectativa gigantesca crescendo em seu peito. 

- Se... alegre - respirou fundo tomando mais uma gota de coragem do reservatório vazio de seu interior - em mim, por... por favor.

E os pássaros voltaram a cantar, uma centena deles ao mesmo tempo cantou uma melodia leve, não alegre nem triste, só uma melodia que parecia dar forças para a jovem Yarin. Ela esperou um vento leve por alguns minutos e quando perccebeu que não viria, pegou as roupas e andou devagar sentindo o colar afundar no seu peito escondido pelo pano que usava. 

Os pássaros, por sua vez, não pararam de cantar, Yarin sorriu porque amava o som deles e se foi. As árvores balançaram alguns minutos depois, uma brisa suave tomou conta da margem do rio e onde Yarin havia sentido nasceram belas rosas de uma espécie que nunca haviam visto naquela região do deserto. 

De trás das árvores, que balançavam em louvor à sua presença, o Leão sorriu assentindo. Respirou fundo e desapareceu para olhar sobre outros filhos desamparados que lhe choravam às almas. Porém, não se foi sem, antes, soprar pelas flores e pelos pássaros sabendo que, por mais boba que parecesse aos humanos, quando qualquer filho lhe chamasse com a alma, mesmo que fosse por uma brisa leve, lá ele iria. 

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Tiffay 

Instagram: @kaffe_letras

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