I
"Cantarei teu amor pra sempre... cantarei teu amor pra sempre..."
As árvores balançavam com graça e beleza, tinham o laranja
como coloração principal em quase todas as folhas. Suas folhas eram de todos os
tipos; redondas, pontiagudas, cortadas, furadas; os troncos lhe eram escudo
negro de madeira que pareciam se curvar ao vento que sobrava leve perante o sol
daquele fim de tarde.
A colina era grande e coberta dessas árvores cheias de
graça, com sua grama verde era palco de uma porção de cadeiras estava abaixo
dela viradas para o sol que ia se pondo aos poucos, um pequeno palco também
estava pronto com alguns adolescentes cheios de alegria e sentimento.
Os jovens tomaram as cadeiras com a mesma pressa que o sol
desaparecia do céu e tomava seu posto do outro lado do mundo para um novo dia,
eles balançavam o corpo junto as árvores com cuidado para respeitar o ritmo da
música e cantavam com alegria toda nova canção. Os adolescentes que cantavam no
palco tinham estilos diferentes, mas algo parecia uni-los e era isso que uma
das meninas na plateia tentava descobrir.
Com os olhos bem abertos ela deixava o cabelo castanho
descer em seus olhos sem afasta-los, um sorriso tomava seu rosto sem permissão
e ela continuava a bater as mãos com o ritmo da música.
Era um acampamento de uma igreja que começara a frequentar
de verdade havia pouco tempo e o núcleo de jovens a chamara para fazer parte,
fora de bom grado para conhecer aquele que eles chamavam de Deus. Ali no último
dia, ela olhava com um sorriso todos ali sem saber exatamente o que dizer para
aquele Deus.
Todos os dias havia um pedido em seu coração, ou era sobre a
mensagem que acabara de ouvir de um palestrante envolvente, uma letra de música
que mostrava mais um erro dela ou era algo sobre familiares desviados da
igreja... Mas naquele dia ela não tinha um pedido especial, nenhuma
transformação para ser feita, apenas olhava para todas aquelas pessoas que a
acolheram como irmã. Olhava para as amigas de quarto que se aproximaram e a
fizeram sorrir tão rápido depois de tantas lágrimas e histórias trocadas nas
noites em claro durante orações seguidas e repetidas.
Criara um vinculo lindo com cada um que estava ali naquele
acampamento, conhecera um lado novo de cada um e percebera o que significava
comunhão... Encontrara erros e problemas em cada um deles e se deparara com
conflitos sérios que poderiam ter decidido seus relacionamentos com aqueles
adolescentes. Todos cresceram naqueles sete dias com ela e ela sorria tanto ao
pensar que poderia continuar aquela união única.
Alguns levantavam as mãos, outros gritavam a letra da
música, abraçavam-se sabendo que aquele seria o último culto juntos naquela
semana. Ela levantou as mãos sentindo a música pulsar no seu coração
obrigando-a a cantar.
Sentia vontade de gritar aquela letra para os cantos do
mundo fazendo o vento a levar consigo e anuncia-la para todos o mundo.
Finalmente entendia o que significava ter a garganta embolada de sentimento e o
coração preenchido; realmente queria gritar aquela melodia cheia de sentido
real para aquele Deus que ela começara a amar com tanta força em menos de uma
semana.
Tinha entendido que ele era segurança, que ele era perdão,
que ele era casa, que ele era amor. Sabia que ela tinha vícios e mesmo assim a
amava, sabia que ela poderia correr para longe, mas ainda sim caminharia por
desertos atrás dela, sabia que ele dera tudo por ela e queria preenche-la.
Todas as noites sabia que tinha uma parte dela que precisava de reconstrução e
cura, mas naquela tarde em que o sol fugia para o horizonte aquela garota com
os lábios sorridentes não sabia o que pedir e como orar.
Olhou para o céu com um sorriso que parecia não querer se
desmanchar e deixou seu coração ser guiado pelo balanço dos corpos e pelas
palmas dos amigos. O Universo dançava aquele ritmo de adoração.
“Pai, aprendi a te chamar assim e sei que posso. Pai, não
sei o que te falar estou sem palavras. Será que eu posso te sentir? Esse é o
sentimento que vou carregar todos os dias enquanto eu estiver do teu lado?”
Seu coração sorria. Sentiu uma explosão dentro de si, como
se fosse única no mundo.
Tudo se apagou a sua volta, era só ela e a escuridão de seu
coração; pela primeira vez não sentiu medo do que sabia ter ali. Virou a cabeça
olhando a carne podre pulsar ao ritmo da música ali fora. Um feixe de luz
dourada tomou o sangue que circulava nas suas veias sobressaltavas, em seguida
um feixe de luz branca, depois um de luz azul e assim vários feixes como raios
de luz foram tomando as regiões do seu coração.
Ao longe naquela escuridão que parecia sumir ela pôde ver
uma grande porta de madeira, era escura feita de carvalho ao estilo antigo que
seu vô costumava pintar no trabalho. Tinha uma coluna grossa de cada lado
enfeitada como um escudo com um leão no centro, a coluna tinha uma cor mais
clara que o resto da porta. Havia uma maçaneta dourada e um visor em forma de
coração também de ouro.
Ouviu-se uma batida na porta, a menina deu dois passos para
trás. A batida na porta ecoou novamente entre os feixes coloridos, ela deu
alguns passos para a frente. Quando chegou mais perto, por volta da quarta
batida na porta, ela conseguiu ver que algo escorria por baixo da porta:
sangue.
A maçaneta enorme brilhava quando ela abriu a porta e com
lágrimas nos olhos viu a beleza de um enorme Leão.
- Você pediu que eu viesse... – disse o Leão com um sorriso
– Posso entrar?
- Pai?
- Filha minha, pequena ovelha dos meus braços.
- Pai! – ela gritou pulando no pescoço do Leão com um enorme
abraço
- Posso entrar? – repetiu ele
- Claro. – ela saiu do caminho da porta para dar passagem ao
Leão que entrou trazendo consigo o sangue que antes estava apenas no batente –
Só não repara na bagunça.
- Então quer dizer que vamos arrumar muita coisa? – ele riu
olhando-a com carinho – Afinal, é a minha casa.
- O senhor... vai morar aqui? – ela gaguejou
- Vou sim, você me deixou entrar não?
- Claro que sim, mas pensei que gostaria de viver em um
lugar mais digno.
- Não tem lugar mais belo para eu morar do que no coração
arrependido daquela que me torna vulnerável...
A garota sorriu abraçando o Leão e jurou nunca mais tira-lo
dali, daquela casa que estava em reforma.
- Vai limpar com o que?
- Com o meu sangue... – fora a primeira menção ao sangue que
preenchia o coração todo – Olhe.
A menina que agora parecia tão pequena virou-se e viu atrás
de si o caminho que percorreram desde quando atravessaram a porta e pôde com
alegria reparar que o chão estava branco com um cheiro tão familiar e
reconfortante de algodão.
- Mas antes de tudo, vamos comer. – Ele sorriu
O banjo que tocava no palco a tirou do seu próprio coração a
fazendo cantar alto a palavra “liberdade”, com todo o frescor no coração ela
olhou para o céu que já estava escuro pela noite e viu as inúmeras estrelas que
haviam no céu.
“Sou parte...”
As estrelas pareciam dar um tchauzinho para ela, a Lua a
convidava para o refrão e o palco cheio de instrumentos a chamava para declarar
o amor.
“Sou parte da promessa...”
Naquele acampamento ela tinha percebido, tinha aprendido que
tudo que queria era viver com aquela nova família e com aquele novo e tão
antigo Pai que ela tanto amava. Sorriu ainda olhando para o céu.
“Sou parte do seu povo! Sou parte da família que come do teu
banquete.”
Sorriu abraçando suas amigas e dançando a melodia. A partir
daquele dia, ela prometera, ela mesmo tendo falhas, dores, defeitos, erros e
vícios iria fazer de tudo para amar como aquele Leão a havia amado há tanto
tempo. Ela iria amar incondicionalmente e iria amar sendo vulnerável ao Pai que
lhe dera tudo.
- Você está bem Camy? – perguntou uma ruiva ao seu lado com
um olhar preocupado- Está chorando.
- Estou bem Lu. – sorriu ela – Estou finalmente indo para
minha casa.
A amiga lhe abraçou demonstrando compreensão, a abraçou de
volta. Quando levantou o olhar jurou ter visto um Leão no horizonte acenando
com a cabeça para ela. Ela estava indo para casa e estava indo para a
vulnerabilidade.
Tiffany
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